domingo, 23 de outubro de 2011

Desculpar a doença

Olá,


Hoje recebi um email que tentava denunciar factos que para mim são evidentes. Falava dos salários absurdos que recebem os personagens que periodicamente aparecem na televisão a falar de contenção e poupança. Eu ri-me.


É interessante sentir as pessoas tão revoltadas com a situação actual do país. Mas, há uma pergunta que não é feita com frequência suficiente, de quem é a culpa? A culpa é sempre apontada aos mesmos. São os políticos, os administradores públicos, como denuncia o email, e os bodes expiatórios criados pelos mass media. E o povo papa...é o que se chama, na gíria tripeira, "um ganda tacho". É pena que seja sempre para os mesmos.


Não me entendam mal. Eles roubam! E muito. (Quando me refiro a "eles", estou a falar da classe "governativa" e seus associados, a saber: os directores dos bancos, e qualquer outro tipo de bandido de fato caro, capazes de qualquer coisa para ganharem dinheiro e que conseguem sempre contornar a lei, porque essa coitada vive sob a sua alçada)  Mas porquê? Será mera coincidência que seja quem for que governe neste nosso cantinho tão tranquilo caia na rede da cobiça? E quem fala de Portugal, fala por todos os países do mundo, sujeitos a este tipo de sangue sugas financeiras. Apenas mudam alguns aspectos, mas a história é sempre a mesma.


Não é mera coincidência. É porque o povo continua a permitir. Foi-lhes passada a pasta decisiva e eles, como qualquer ganancioso que se prese, decidem sempre em seu favor. E agora, como as coisas estão, parece-me que já é tarde para lhes exigir de volta esse poder cedido. Onde é que os homens e mulheres que fizeram o vinte e cinco de Abril tinham a cabeça? Honestamente, confiar na classe política? Eu estou com vinte e cinco anos e votei "utilmente" duas vezes na minha vida. Tentei ser de esquerda, mas lá, na esquerda, também me cheirou a esturro. Então o comunismo é, em princípio, o oposto do capitalismo. Mas baseia-se na mesma gestão através do dinheiro. Ai, idealmente, a forma como é distribuído é diferente? E isso poria fim à ganância? Não creio... Enquanto o dinheiro existir e, pela quantia certa, permitir fazer tudo, vai haver necessidade de controlo, leis e autoridade. E portanto, nós, o povo, chegamos a um momento em que já estamos a ficar encurralados. Há que saltar fora desta lógica: os políticos e seus "amigos" a mandar e a viver bem e, o povo a obedecer e a viver miseravelmente. 


Quem manda são essencialmente os amigos dos políticos, que fique registado.


Se nos revoltamos a sério contra eles, terá de ser de forma violenta porque o povo está, de facto, farto desta dança do aperta o cinto, arranja um emprego e um part-time e paga para poder trabalhar a recibos verdes e a única forma de aliviar esta angústia a que temos sido sujeitos é expressá-la violentamente. Não restam muitas dúvidas. Eu também sinto isso... Mas sinto também que isto vai levar a prisões, mortes, guerra civil e esperemos que chegue a uma intervenção da NATO, a ver se Portugal começa a ser famoso no mundo moderno e lá nos sobem o rating. Digo isto para abrir um sorriso...não acredito MESMO que um "rating" possa resolver o verdadeiro problema.


Consigo conceber a ideia de que isto só ia lá com uma bomba naquela sala onde eles se reúnem, falam por horas intermináveis sem nunca dizerem nada de jeito (um feito impressionante que depois se reflecte nas esplanadas dos cafés e em qualquer sítio onde doentes se encontram para socializar) e riem de nós e deles próprios, mas não acho que a bomba seja solução...sob o risco de me tornar suspeito terrorista.


Se não nos revoltarmos, vamos continuar a ser espezinhados, amarfanhados nesta prisão financeira até que há-de chegar o momento em que os patrões vão ter poder para decidir se querem pagar ou não e quem trabalha deixa de saber se vai continuar vivo ou não.


Há uma outra opção, é revoltarmo-nos contra nós próprios. Se nos revoltássemos contra nós próprios, aí sim íamos ter mudança. Íamos ver, cheirar, tocar, provar e ouvir mudança. Respirar mudança. Quantas manifestações, quantas greves vão colocar este grupo deles todos juntos, reunidos, a discutirem que de facto nós temos razão, eles têm sido muito duros connosco? Acham mesmo que algum dia vão conseguir de volta o dinheiro roubado das nossas contribuições? Alguém tem noção de quanto é, ao certo? 


Parece-me que chega de desculpas, de pieguices. Nós também temos culpa no cartório. Muito nos queixamos que a vida é dura, que custa mas nunca queremos ir àquele lugar da adolescência onde o mundo podia ser um lugar diferente. Se aguentamos esta realidade imposta, também conseguimos lidar com a realidade de que toda a vida temos sido enganados. Conseguimos lidar com a ideia que quer a economia, quer a democracia são uma treta. A economia funciona por ratings atribuídos por pessoas que provavelmente nunca foram conhecer o verdadeiro potencial de cada país. A democracia parece uma brincadeira de crianças. Claro que comparada com uma ditadura, como a que assolou este país, é um paraíso. Mas reparem, se espremermos bem o processo democrático, não passa de votarmos preto ou branco, direita ou esquerda, socialista ou democrata, bom ou mau, rico ou pobre, vivo ou morto. Esta lógica básica das dualidades tem de ser ultrapassada. Só serve para nos dividir. Há uma terceira hipótese que pode mediar o confronto das duas frentes. Por exemplo, entre o estar vivo ou morto, está o viver dignamente.


Neste caso, a terceira hipótese é podermos revoltar-nos contra nós próprios. Não é para os que são obrigados a contribuir apontarem o dedo aos que tentam escapar. Não são uns melhores que os outros. Estamos todos doentes. É cada qual apontar o dedo a si próprio. Pensar em qual pode ser o seu papel num mundo novo, num mundo curado. Criar alternativas à dependência do dinheiro e não ficar sentadinho à espera que lhe sejam servidas de bandeja novas formas de depender mais um bocadinho, só mais um bocadinho. Até porque pode ser que não tenhamos dinheiro para pagar isso.


Coragem e alegria, enfrenta-te sem medo. Mas certo disto, és o teu pior inimigo.


Até breve